sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Um certo Carnaval.

1982 ou 83, não tenho a certeza. Sei, apenas, que estava decidido que haviamos de ir de freiras. O material era fácil de encontrar, o resto dependia dos nossos dotes para a costura - uns lençóis brancos da minha mãe foram implacavelmente sacrifícados, mais um grande pano preto de proveniência incerta, tudo talhado a golpes de tesoura e depois cozido sem o dedal. E não é que resultou?! Pareciamos três carmelitas (uma era macho) acabadinhas de sair do convento. Só faltava o padre para compôr o ramalhete. Num instante se resolveu o problema - o João vestiu o fato de casamento do meu pai (preto e com cheiro a naftalina), meteu-se-lhe a golinha branca, o terço na mão e toca de ir para a rua. Entre risos e olhares de esguelha enchemos o velho Fiat127, enquanto lá em cima, na varanda do "castelo", a minha mãe gritava: "Vejam lá no que se metem. Tomem cuidado."
A viagem foi curta. O João parou o carro na Gomes Freire, já que a ideia era ir à festança na Faculdade de Medicina Veterinária (naquela altura ao lado do Arquivo de Identificação), e ainda tinhamos de aguardar pela chegada de outros amigos. Estávamos nestes entretantos quando me deu uma irresístivel vontade de fumar...só que não tinha lume. Então, saí do carro, atravessei a rua e fui pedi-lo a uma senhora que se encontrava, do outro lado, à beira do passeio. Ora a dita senhora era uma prostituta no seu honesto mester e eu nem dei conta disso!
Cheguei-me a ela (recordo apenas que escachou os olhos) e estendeu o seu isqueiro a meu pedido (podia ter dado para o torto,mas não deu). Alguns carros abrandaram perante tão insólito cenário - freira e prostituta, qual delas a mascarada, qual delas a verdadeira, ambas ou nenhuma. Do outro lado da rua o velho 127 abanava e o João tapava a cara com as mãos...só depois me explicaram o porquê.

Nota: Tenho uma foto dessa célebre noite, mas anda perdida. Quando a encontrar prego-a aqui.