quarta-feira, março 22, 2006

Ponto de não retorno?

Os nossos sistemas políticos, económicos e sociais apenas satisfazem uma minoria, sendo seguro afirmar que mais de metade da humanidade anda insatisfeita. Então qualquer coisa está errada. A acumulação de riqueza e o consumo desenfreado, constituem cada vez mais um padrão de vida - ser-se alguém é ter poder económico, o que nos posiciona muito bem na hierárquia primata. Tudo o mais é deixado ao sabor dos iluminados, das conveniências e dos poetas. A vida humana é um valor universal recente que apregoamos e defendemos em discursos domésticos e políticos, mas a prática é outra e nada tem a ver com a dignidade humana. Por isso, vivemos lado a lado, neste mundo global, com a fome, a miséria, o sofrimento do nosso semelhante e, mesmo assim, vestidos de indiferença prática ou embuidos de um qualquer determinismo religioso, mergulhados na nossa luta pessoal pela sobrevivência...nos acomodamos numa de "Maria vai com as outras" feita de muito futebol, telenovelas e "Talk Shows" para mentecaptos, solitária e alheadamente (quem disse que só disto vive o Homem?!).
Esta Humanidade, que é acima de tudo animal, mamífera e predadora, embora dita racional , tem construído modelos de vida não muito distantes dos da alcateia primitiva.
Vivemos em ninhos de pedra, mais elaborados dos que os dos gorilas. Lutamos todos os dias pela sobrevivência e pelo reconhecimento, tentando alcançar uma posição "respeitável" no seio da hierárquia da nossa alcateia. Tememos pela nossa descendência, porque queremos o melhor para ela e sentimos que sem as condições necessárias não há puto que se safe.
Os que alcançaram o topo e se perpétuam em renovadas gerações, inventam reformas e apregoam preocupações que não sentem, servindo-se de uma demagogia dita democrática, para manter as diferenças sociais, salvaguardar estatutos e poder.
Entretanto a "canalha" conformada, vive de ilusões, folheandos as VIP's e emborcando umas bejecas, pagando impostos e aumentos...como sempre o fez.
A História repete-se, monotonamente em palcos diferentes. Mas os actores são sempre os mesmos.

segunda-feira, março 20, 2006

O Herói (cont.)

Dando continuidade à postagem anterior, devo dizer que não tenho heróis. Isto dito assim a seco pode parecer demasiado superficial, mas não é, garanto e não me atirem com a Madre Teresa de Calcutá e afins. Por mais que busque e rebusque no passado e no presente, não encontro um que me sirva de modelo. Vejo sim indivíduos na luta pela sobrevivência e pelo reconhecimento, muitas vezes em condições adversas, cujo exemplo nos conforta ou passa ao largo. Mas são isso mesmo, pessoas ,sem poderes especiais. A perseverança, a honestidade, a sublimação está ao alcance de todos nós. Nem sempre é fácil, pois poucos são os caminhos fáceis e acreditar que somos capazes é o mais difícil deles todos. Em suma, que cada um de nós liberte e reconheça o "herói" que há em si e o Batman que vá às couves.

sexta-feira, março 17, 2006

O Herói

Desengane-se quem pense que vou aqui falar dos "desgraçados" que preenchem os noticiários das 21 horas e os cabeçalhos do "Correio da Manhã", ou ainda dos que fazem estremecer de emoção os adeptos da bola e das telenovelas. Basicamente não vou falar de ninguém em concreto, mas sim desse arquétipo que tem povoado o nosso imaginário ao longo dos tempos - o HERÓI.
Em todas as épocas da História o Ser Humano tem criado personagens simbólicas que correspondem, no palco de uma vida nem sempre fácil e limitada, às suas aspirações de excelência e notoriedade. É assim que surge a figura do herói, aquele que dotado de qualidades excepcionais , solitário na sua demanda, supera o insuperável.
O primeiro herói de que há memória escrita foi Gilgamesh e a sua epopeia chegou até nós através de um poema épico sumério com cerca de 5000 anos. Gilgamesh tinha os atributos desejados - força, beleza e coragem. Exemplo de perfeição e por isso mesmo muito além do humano (2/3 divindade e 1/3 homem), procurou alcançar a imortalidade, mas sem sucesso - já então um velho problema sem solução.
Ao longo da Antiguidade e sempre no quadro do que eram as expectativas humanas, desfilaram Hércules, Aquiles e Ulisses...Mais tarde Lancelot, Perceval, Artur e a busca do Santo Graal...e por aí fora.
Chegámos ao presente e o herói mudou a sua forma convertendo-se no super-herói. Dotado da mesma coragem dos seus antecessores, este último possui poderes sobre-humanos e enfrenta, não sem grandes dramas pessoais, os perigos que ameaçam a civilização ocidental - criminalidade, terrorismo, invasões extra-terrestres, virus implacáveis, clonagens e ditaduras.
É o século XX que lança o primeiro super-herói. Em 1939, vindo de Kripton surge o Super-Homem. No mesmo ano começava a II Guerra Mundial. Terá sido por acaso?
O início do nosso século tem sido marcado pela ascensão dos super-heróis. Recorrendo às "velhas" bandas desenhadas e aos filmes de animação, os produtores de cinema e os criadores de jogos virtuais (vice-versa) recorrem aos mesmos arquétipos, mas em cenários diferentes. O paradigma mantém-se - força, coragem, beleza - num mundo de múltiplos perigos. Mas também violência gratuita, mortes em barda e sangue até mais não. Aqui, neste novo mundo, a vida humana não tem qualquer valor...é matar ou morrer.
(continua...)

terça-feira, março 14, 2006

Gripe das aves

Volta e meia temos uma destas, até porque os virus também são filhos de Deus (o Génesis não específica, mas eu deduzo). E quem diz virus, acrescenta as bactérias, as pulgas e piolhos (estes últimos mais graúdos e não aparentados), que nos zurzem o corpo e dão cabo da bicharada que nos alimenta. Pois é, a Natureza tem destas coisas e volta e meia é uma razia - fica restabelecido o equílibrio natural.
Confesso-me pouco ralada com a dita "gripe das aves" e por uma razão muito simples: se houver azar já estou condenada à morte porque não faço parte do grupo de portugueses "fundamentais para o país". Bom, as pessoas também têm uma certa tendência para deturpar as palavras alheias e, por isso, deduzo que Graça Freitas disse o que disse, mas não tanto assim. Mas deu-me, realmente, que pensar e por isso pus-me em linha com uma amiga de longa data, para uma troca de pareceres. Ficou logo tudo esclarecido e da seguinte forma: "Isso é tudo treta. Só recebe o anti-viral quem estiver infectado, disse-me a minha irmã (que é médica). De qualquer forma, o Carlos tem um conhecimento, por isso estamos sempre safos."
Pois é, os virus são filhos de Deus e nós também, mas aquela frase de George Orwell não me sai da cabeça: "...todos iguais, mas uns mais iguais do que outros."(O Triunfo dos Porcos, 1945). Afinal, que virus são estes?!

segunda-feira, março 13, 2006

Deusas e deuses

Seres fantásticos, imortais, entes supremos sem princípio nem fim que criam e destróiem segundo uma lógica que nos escapa. Deusas e deuses são a resposta às nossas limitações humanas, justificação dos nossos conceitos éticos, reflexo das nossas fraquezas e exemplos de uma perfeição desejada.
Ser Humano não é fácil, nunca foi. Como explicar o que somos e como somos? Como aceitar a nossa finitude e aparente solidão num ou mais universos cósmicos de uma imensidão inimaginável?
Deusas e deuses têm sido a resposta.
No passado eram a Natureza pura e simples. Cada vez mais complexos nos seus múltiplos atributos tornaram-se os criadores da ordem social e das leis inventadas pelos Homens. Todos eles, sem excepção, prometiam e prometem a recompensa e o castigo e, nos casos mais radicais, exortam à "guerra santa".
Houve quem os tivesse visto, de relance ou de rompante. Houve mares divididos e aparições determinantes. Por eles - deusas e deuses - a Humanidade torturou, matou, gastou rios de dinheiro na construção de santuários gigantescos a despeito da miséria dos seus semelhantes.
Afinal foram eles a criar o Homem ou o inverso?

domingo, março 12, 2006

Mulher...afinal o que és?

Ao comentar o texto "As matriarcas - I", Teresa Durães levou-me a reflectir, uma vez mais, sobre a condição da mulher:
"Como se a mulher tivesse sempre uma vontade férrea e sobrevivesse sempre, obstinadamente, às tareias dos maridos, divórcios, à solidão. Gere a casa mas não se intromete na política. No Minho as mulheres trabalham na terra, cuidam da casa, dos filhos e dos maridos. Em Lisboa, trabalha-se, cuidam da casa, dos filhos e dos maridos."

Ora bem, independentemente de em Portugal e noutros países ocidentalizados, as respectivas constituições salvaguardarem a igualdade de direitos e deveres entre homem e mulher (porque será que dei a precedência à expressão homem?!), são tidos como deveres próprios da natureza feminina todos aqueles que se relacionam com o bem-estar da família, essa célula fundamental da sociedade. Da mulher espera-se a dedicação, o sacrifício...que tenha paciência e continue a zelar por tudo e todos. Felizmente as novas gerações já não vão muito nisso e é um facto que, embora de forma muito lenta, as mentalidades estão a mudar. É claro que essa mudança pode ser questionável, dependendo do ponto de vista de cada um de nós com base na educação que recebemos e nas nossas necessidades pessoais. Vivemos tempos confusos (crise de valores? será?). A família já não é o que era e não sabemos muito bem para que modelo caminhamos. Deverá a mulher abdicar de uma carreira profissional em prol dos filhos? Deverá acumular profissão e serviço doméstico? E ao homem o que lhe compete? Ser o que sempre foi? Será necessário continuar a exigir apenas a um dos sexos?

quinta-feira, março 09, 2006

Curdie e a Princesa

A propósito das "Crónicas de Nárnia"(ver Arquivo) recordei um outro clássico da literatura infanto-juvenil - "Curdie e a Princesa", do escocês George MacDonald (1824-1905), publicado pela primeira vez em 1883. O livro em causa é a continuação de um outro, "A princesa e os duendes"(1872), e ambos povoaram com o seu fantástico os sonhos da minha infância. Mas, uma vez mais e à semelhança do que observei em Cecil S. Lewis, o final deste conto supostamente para crianças, contraria o habitual, pois não é de todo um final feliz. Aliás, ao longo de toda a narrativa, torna-se claro que a fantasia é apenas um outro cenário onde a condição humana, muitas vezes no seu pior, se revela.

Segundo tive a oportunidade de ler, George MacDonald influenciou com os seus textos a "nova" geração de escritores britânicos que hoje, através do cinema, vão chegando até nós e cujas obras têm passado despercebidas à larga maioria da nossa juventude. Refiro-me a Tolkien, a C.S.Lewis e a Lewis Carroll (recordemos "Alice e o outro lado do espelho"), entre outros.
Para os apreciadores deste género literário, aqui fica um resumo para abrir o apetite:
Algures, entre as montanhas, num imenso e labiríntico palácio, vive solitária a pequena princesa Irene. Debaixo do chão, em grutas e ocos espaços subterrâneos, os duendes planeiam o seu regresso à superfície e o rapto da princesa.
Um jovem mineiro, Curdie e uma estranha tetaravó que vive no sotão do palácio, vão contrariar os planos dos duendes, mas não sem dificuldade...

terça-feira, março 07, 2006

Contos inacabados


Presente feito de passado, em que cada segundo vivido é já futuro. Existências anónimas que se consomem, geração após geração, mas que deixam o seu rasto no que é mudança e também permanência.

Nem damos conta...

Crónicas de Nárnia

"O leão, a feiticeira e o guarda-fatos" já não é novidade para ninguém. Na busca incessante do fantástico e dos grandes êxitos de bilheteira, Hollywood atacou os "velhos" autores - primeiro Tolkien e agora Clive S. Lewis, amigo do dito. E faz sentido. Faz sentido porque vivemos uma época em que já nem sabemos como sonhar e a fantasia se vai perdendo no meio da superficialidade a que este quotidiano neo-liberal nos conduz - que o digam as crianças e jovens de hoje.
Não fui ver o filme, confesso. Não o fui ver por teimosia, por medo de que a imagem cinematográfica destruísse a da minha juventude recente.
Conheci "O Leão e a Feiticeira Branca" (era assim o título de capa) em 1976, num daqueles velhos liceus inaugurados no tempo da 1ª República. A biblioteca tinha paredes altas, pesadas mesas de madeira escura e um silêncio de catedral. Ao fundo, mal se entrava, um pequeno armário de portas envidraçadas chiou quando o abri. Lá dentro estava um livro, entre outros, de capa envelhecida pelo manusear dos anos, impregnado de cheiro a naftalina. Abri-o, e apaixonei-me porque nunca tinha lido coisa assim. O final fulminou-me.
Durante a II Guerra Mundial e para fugir aos bombardeamentos sobre Londres, quatro crianças vão viver para uma casa no campo. Uma delas, ao esconder-se num guarda-fatos, entra num outro mundo...Nárnia. As outras crianças acabarão por segui-la e viver uma aventura impar, pejada de personagens míticos, batalhas sagrentas. O final é um pouco estranho e deixou-me sempre uma certa sensação de tristeza - após o percurso de toda uma vida, os personagens voltam ao ponto de partida e pouco mais que alguns minutos tinham passado desde a sua entrada no guarda-fatos. Para conto infantil há um não sei quê de tempo vivido e perdido. O retorno à estaca zero, ao mundo real, é o corte com o de todo impossível, mas desejável - a aventura sonhada, vivida, num espaço paralelo de fantasia que queremos nosso, sem o ser.
As "Crónicas de Narnia" não se limitam a um guarda-fatos e a nossa imaginação, se quiseremos, também não.

Manhãs cinzentas

Não tive muito tempo, esta manhã, para ver com "olhos de ver" o que me rodeava. Zarpei para os tachos, ainda estremunhada, porque tinha de preparar o almoço que a minha filha mais nova havia de levar para o colégio. Nos entretantos dei conta do céu cinzento, de que ia chover e que se não chovesse seria exactamente a mesma coisa. O exactamente a mesma coisa deixou-me sem grande alento para o resto do dia.

Há dias em que a repetição nos conforta, nos inspira aquela sensação se segurança dos tempos da infância. Outros dias há em que o "dejá vu" não passa disso mesmo e nos reduz ao marasmo de uma existência repetida.

Hoje, estive num desses dias. Recordei com nostalgia as tais manhãs cinzentas, ameaçadoras de chuva, despreocupadas perante umas "sopas de café com leite" e uns "Tio Patinhas" lidos e relidos...Recordei a bata vestida à pressa, a rua molhada que percorria até à escola...

Busco com o olhar esses tempos perdidos no tempo e sinto uma saudade imensa!

Há manhãs cinzentas e se a beleza delas nos escapa, é porque mais cinzenta está a nossa alma.