quarta-feira, maio 31, 2006

Grandezas e misérias do nosso Ensino - II

Não tenho a menor dúvida de que a evolução de uma sociedade depende largamente, a todos os níveis, do contributo que cada indivíduo dá nesse sentido. Mas, para isso, não podemos partir da estaca zero, é necessário que as gerações mais jovens adquiram os conhecimentos essenciais que as mais velhas transmitem, acrescentem algo e passem, por sua vez, aos seus descendentes.
No século XVIII, os Iluministas defendiam e com razão, que o progresso da humanidade dependia do "esclarecimento dos espíritos" e a instrução, bem como melhores condições de vida, eram fundamentais para isso. Na verdade, não se trata apenas de contribuir para o progresso de uma nação, de um povo, mas também de promover a verdadeira liberdade do indivíduo - como posso questionar o que desconheço? Como posso lutar pelo que não sei?

A nossa espécie alcançou um nível de complexidade superior ao de todas as outras e a carga de conhecimentos/competências que é exigida a cada nova geração não passa apenas por frequentar 12 anos de escola. É fundamental que exista um verdadeiro trabalho de equipa entre governos e todos os agentes educativos (pais, professores, meios de comunicação), sob pena de sofrermos um retrocesso. E esse trabalho de equipa existe? Não me parece. Existem sim ataques, "bodes espiatórios" - casa onde não há pão, todos batem e ninguém tem razão.

Vamos a questões:
- as famílias em que condições vivem? Quantas horas estão pai e mãe fora de casa? O dinheiro chega ao fim do mês ou é à justa? Que orientações recebem sobre a melhor forma de educar os filhos (ninguém nasce ensinado) e que tempo dispõem para isso? Que apoios sociais eficazes estão disponíveis?
- os professores que condições de trabalham encontram? Que apoio recebem dos orgãos directivos das escolas? Que incentivos/reconhecimento obtêm pelo seu trabalho (não são missionários, certo?)? Que formação de base e contínua têm à sua disposição? E tempo para os seus próprios filhos?
- emissoras de televisão será que a vossa prioridade apenas reside nos níveis de audiência, no tirar partido ad eternum do vulgar, explorando o que de mais medíocre existe na natureza humana apenas para disso os accionistas tirarem lucros à conta de doses monumentais de publicidade?
- governos...mas em que grande molho de bróculos se meteram! Porque não atacam o mal pela raíz que é, no fundo, o mesmo problema de sempre - os interesses indivíduais de uma minoria que se perpétua no poder, no verdadeiro poder que é o do capital? Têm dúvidas que é o capital que gere os destinos deste país? Acho que não....

Grandezas e misérias do nosso Ensino - I

A recente proposta de alteração ao Estatuto da Carreira Docente, bem como as declarações proferidas pela Ministra da Educação no primeiro encontro do Debate Nacional de Educação (Maia), vieram não apenas reacender o já velho desentendimento entre professores e Ministério, mas também trazer a lume um dos grandes problemas que o nosso país enfrenta - o insucesso/abandono escolar.
Que somos um dos países da União Europeia com piores resultados a nível escolar, nomeadamente no que diz respeito ao domínio da Língua e à Matemática, já todos nós sabemos. Que a maior percentagem de abandono escolar se verifica no Ensino Secundário e que os níveis de iliteracia são "incómodos" em Portugal, creio que pouca gente questionará.
Como resolver o problema? Ou melhor, como inverter a situação quando as coisas chegam a este estado ou nunca sairam dele o que é bem pior?
Apontar os professores como sendo os culpados do insucesso escolar, virar por sistema a opinião pública contra eles é, para mim, "tapar o sol com a peneira". É que muitas vezes nos esquecemos que no processo de formação do indivíduo não é apenas a escola que pesa, mas também a família, o meio socio-económico, a "cultura" que é veiculada pelos meios de comunicação.
Não quero dizer com isto que o sistema educativo não precisa de levar uma grande reviravolta e que não concordo de todo com a proposta da Ministra da Educação, mas que "culpar os ajudantes de cozinha, quando o Mestre não sabe estrelar ovos e faltam as frigideiras" é tendencioso e cheira a manipulação (ver post "Estratégias de Manipulação").
Links com interesse:

segunda-feira, maio 29, 2006

Para comentar


Mas como deve de ser, ok?

Arte é para quem a vê

Há uns anos atrás, numa daquelas idas a uma exposição de arte contemporânea (pintura e escultura), aproximei-me de um quadro que me deixou algo intrigada. A dita "obra de arte" consistia numa tela talvez de metro e meio por outro metro (na volta era maior, já não sei) e era inteiramente azul, de um azul céu sem nuances, sem mais nada, lisinho. Quase no canto superior esquerdo da tela um golpe em L e uma saliência, um bico de tela sobressaindo como se alguém ali tivesse tentado extrair qualquer coisa. Mais nada, a não ser algumas pessoas em estado de admiração profunda. Na minha inocência de juventude perversa saiu-me um comentário em voz alta: "Chamam a isto de arte?" Foi infeliz. Principalmente porque me teria poupado aos olhares de desdém que recebi e há sensação de ser uma tremenda inculta, senão mesmo boçal, em matéria de artes plásticas. Foi um engano pois, muito provavelmente, outros como eu viram naquele quadro uma valente porcaria, um nada sem nada. Mas, quantos tiveram a coragem de o afirmar? É que por vezes apresentar uma certa postura de entendimento e agrado, perante o que não se gosta e/ou não se compreende, faz parte de um esquema de conduta para quem deseja ser aceite num determinado grupo social, cultural e por aí fora.
Uma escultura, uma música, um texto (para não falar de outras criações humanas) só ascendem à categoria de objecto de arte se dessa forma forem sentidos - alguns conquistam a maioria, outros só um reduzido grupo aprecia ou faz de conta que aprecia, impondo às ignaras gentes o novo valor artístico. Arte é para a quem a vê, sente, como tal.

Já agora, detesto Picasso.

Grande festival

Nunca fui apreciadora de hard rock, heavy metal e afins. Um ou outro tema dos AC/DC entrou-me, de passagem, no ouvido e ficou, mas de resto encaro estes estilos não como música, mas como ruído, como um caos sonoro absoluto. Talvez seja essa a ideia, o caos...não sei. Como tudo na vida, nem todos sentimos e gostamos das mesmas coisas e no caso da arte, seja ela musical ou outra qualquer, a subjectividade é enorme.
No Sábado estive no Rock in "Rio". O parceiro queria ir e, pronto, levou-me por arrasto. As bandas em cartaz não me agradavam particularmente, mas a experiência parecia-me interessante e por isso fui. Valeu a pena? Sim, valeu a pena e não tanto pela "música", mas mais por ter podido apreciar o ambiente - é que, por mais que não queira, acabo por ser sempre uma espectadora total, com manias de exploradora da National Geographic, e analisar tudo com o distanciamento de quem não pertence à espécie.
O espaço escolhido para o evento pareceu-me bem escolhido - amplo e com um declive de terreno em forma de anfiteatro. Só não percebi bem a "área VIP", lá no alto, de pavilhão armado e com uma extensa varanda de onde os VIP's só com binóculos viam o palco. Coisas à portuguesa, suponho, para marcar a diferença entre pessoas e Pessoas...Por acaso aconteceu-me uma coisa curiosa (pelo menos para mim): aproximei-me de uma entrada que era a VIP e, claro, fui logo avisada que tinha de dar a volta e entrar por outro lado. Não percebi porquê, já que ambas eram semelhantes, embora com menos polícias de olhar penetrante e inquisitivo. Bom, suponho que para nos sentirmos VIP's seja assim...entrar por outro lado semelhante e com menos polícias, ir para um pavilhão armado e ver o palco com binóculos (será que me escapou alguma coisa? Provavelmente).
A publicidade estava em força no recinto. Claro que não imaginei galerias de arte ou espaços dedicados à música, à cultura em geral ...nem a malta está para essas chatices, mas achei piada à forte adesão às perucas rosa-choque do Millenium e à histeria por causa das T-shirt's da Sumol. Em verdade vos digo, todo o espaço estava dominado por marcas e a publicidade era intensa, chegando ao ponto de distribuirem pelo público aquelas porcarias em borracha, sem piada nenhuma, para segurar os óculos. Enfim, pior que isso só mesmo os lencinhos laranjas do Trifene 200 para acalmar as dores menstruais.
Na tenda electrónica tive o meu ponto alto. Ao som do DJ do momento lá comecei a esbracejar e com gosto (tenho a mania da música electrónica, estilo house, trance e afins) mas...a dada altura começou a cheirar-me a relva exótica carbonizada e a dança terminou - é que da minha direita, da minha esquerda e de frente, confluindo num epicentro que era eu, o fumo dos charros lá entendeu que eu não devia sair dali sem estar "pedrada"! Santa paciência.
E pronto...lá aguentei uma brasileira aos berros da qual não lembro o nome, os velhos (velhíssimos) Xutos e Pontapés com as "saudades da casinha" e por aí fora, mais uns tais The Drakness que cederam palco ao Axel dos Guns n' Roses. Creio que a queda do Império Romano fez menos barulho e que se o Afonso Henriques estivesse vivo este arraial era motivo para espadeirada, pela aleivosia dos bárbaros em tal disparate acústico.
Bom, mas gostei. Principalmente das pessoas aos pulos e do fogo de artíficio. Ah, é verdade, cá fora os senhores da polícia de intervenção, com as suas armaduras, deram o toque final a esta visita ao Zoo, perdão, ao Rock in "Rio" - cheguei a casa e fui logo rever "O Gladiador".

domingo, maio 28, 2006

Rock in Rio - 1985

Eu estive lá, naquele imenso terreno do bairro de Jacarépagua no Rio de Janeiro. Foi a primeira edição do festival, 1985. Estava de visita ao Brasil, por iniciativa dos meus tios emigrantes que resolveram pagar as passagens às sobrinhas que não viam há uns bons anos.
No Inverno/Verão de 85 o Rio surpreendia a quem vinha de Lisboa, em especial depois de cerca de 10 horas de avião - era o ambiente abafado e húmido próprio dos climas tropicais; o cheiro a alcool destilado pelos motores dos carros; a velocidade no interior dos túneis; a agitação nas ruas e as praias onde se exibiam, na altura, tangas mínimas, mas não se podia fazer topless.
O meu primo lá se encarregou de nos mostrar a vida carioca, embora com uma certa reserva já que o à vontade não era o mesmo que aqui, no Portugal - meses antes um dos seus amigos, o Edson, fora assaltado com arma apontada na boca...está tudo explicado.
Vi muitas coisas naquele Brasil do Pedro Álvares e gastaria rios de tinta para as contar todas, mas o Rock in Rio foi uma das mais marcantes.

O espaço era grande, imenso. Fomos cedo, uns 6 ou 7 numa carrinha aberta. Estendeu-se a manta perto do palco e foi o delírio. Infelizmente foi há tanto tempo que só me lembro dos Scorpions ...ah e da Elba Ramalho! Só regressamos no dia seguinte ao evento e em péssimo estado de conservação, já que a manta nos serviu de cama e barulheira de embalo. Foi uma experiência e tanto!

Rock in Rio

Estou um bocado confusa. Começou, na sexta-feira, mais uma edição portuguesa do já célebre festival de rock, o Rock in Rio. Mas, não deveria ser Rock in Lisbon? Ou Rock em Lisboa? Ou ainda "Pedra em Lisboa"? Enfim. Eu até aguento os anglicanismos, mas chamar de Rock in Rio a um festival de música em Portugal, custa. Compreendo que exista uma certa necessidade de marketing no sentido de aproveitar o nome de um festival que fez grande sucesso no final dos anos 80, mas chamar-lhe de "Rock in Lisbon" seria menos bom?

Por aqui temos tido bons festivais de música como sejam o do Sudoeste e outros. De Norte a Sul do País "a música acontece" e para todos os gostos, com bandas estrangeiras e portuguesas, em solo português e público maioritariamente português, num espaço que dá o nome ao evento sem vergonha e com brio (ver "Festival de Paredes de Coura"...o nome é feinho mas, carambas, é nosso!). Ora, porque razão um festival realizado na capital deste país se há-de chamar Rock in Rio. É esquisito, certo?

Piercing - II


Este tema não veio à baila por acaso. A minha filha mais velha entendeu que tinha de fazer um piercing no umbigo e passei um mau bocado, como mãe. Uma coisa é ver nos outros, até achar piada e sim, dizermos que somos um mar de tolerância e por aí fora. Outra coisa é sermos confrontados com a intenção ferrenha, por parte da nossa progenitura, de esburacar o bandulho tenro porque é "fixe" e pespegar lá um pedaço de metal com reflexos brilhantes.

Pronto, eu sei...eu sei...afinal por cá furavamos as orelhas às criancinhas, sem apelo nem agravo! E sim, lá pelo séc. XVI o tal de Francis Drake usava brincos e parece que era moda e não apenas entre os corsários. Pronto! Ok...e confesso que tenho 2 furos em cada orelha, o primeiro feito aos 18 anos e os restantes porque me deu na telha. MAS NAS ORELHAS! Certo...é igual...foi escolha minha...irra!

No fundo, no fundo, bem cá no fundo acho que entendi, inconscientemente, este desejo da minha filha como uma atitude de independência que se realiza através de um "este corpo é meu e já não teu". Estou a complicar? Talvez.

Bom, primeiro disse que não. Foi um drama! Choradeira, dias a fio de "trombas". Questionei-me, questionei-a..."Sabes que é irreversível e que envolve riscos?" Sabia tudo, leu tudo.
- "Uma personalidade forte e que sabe bem aquilo que quer, coisa pouco usual na sua idade" - disse-me a Directora de Turma.

No dia 25 de Maio lá fomos ao "furador de carnes" profissional. Com rapidez e eficácia o dito lá lhe meteu o piercing, enquanto eu disfarçava a ansiedade. Até ficou "giro"!

O que não tem piada é que acabou por sobrar para mim - duas vezes ao dia lá estou eu a examinar os orifícios, a vigiar a limpeza e a aplicar o Betadine.

- Então?! Estás feliz? Sentes-te diferente? - pergunto.
- Sim, mãe. Sinto-me tão bem. - responde a filha.
- Mas tu tinhas todas as razões para te sentires bem. Para mim sempre foste diferente.
- Bolas, tu não percebes nada!

Piercing - I



Por definição "piercing" é uma perfuração ornamental numa qualquer parte da pele ou mucosas humanas. Este tipo de modificação corporal não é novo, uma vez que tem sido praticada desde a mais remota antiguidade entre diferentes povos e nem sempre como um mero acto decorativo. A lista de práticas relacionadas com modificação corporal é extensa e vai desde a simples coloração do cabelo até a extremos como a "scarnification" (cicatrizes decorativas?), passando pelos "pés de Lírio" da China antiga até ao actual Padaung.

Até aqui nada de novo. Parece ser uma tendência do ser humano realizar pelos seus próprios meios aquilo que a Natureza não lhe deu - penas, crista ou um papo lustroso. Assim se destaca o indivíduo dos seus pares e/ou marca a sua pertença ao grupo, melhora a sua auto-estima ou adquire melhores hipóteses de acasalamento. Explicações e mais explicações...não vale a pena. Somos animais, animais complicados de pensamento mais elaborado e nem por isso deixamos de fazer "figuras tristes".