terça-feira, março 07, 2006

Crónicas de Nárnia

"O leão, a feiticeira e o guarda-fatos" já não é novidade para ninguém. Na busca incessante do fantástico e dos grandes êxitos de bilheteira, Hollywood atacou os "velhos" autores - primeiro Tolkien e agora Clive S. Lewis, amigo do dito. E faz sentido. Faz sentido porque vivemos uma época em que já nem sabemos como sonhar e a fantasia se vai perdendo no meio da superficialidade a que este quotidiano neo-liberal nos conduz - que o digam as crianças e jovens de hoje.
Não fui ver o filme, confesso. Não o fui ver por teimosia, por medo de que a imagem cinematográfica destruísse a da minha juventude recente.
Conheci "O Leão e a Feiticeira Branca" (era assim o título de capa) em 1976, num daqueles velhos liceus inaugurados no tempo da 1ª República. A biblioteca tinha paredes altas, pesadas mesas de madeira escura e um silêncio de catedral. Ao fundo, mal se entrava, um pequeno armário de portas envidraçadas chiou quando o abri. Lá dentro estava um livro, entre outros, de capa envelhecida pelo manusear dos anos, impregnado de cheiro a naftalina. Abri-o, e apaixonei-me porque nunca tinha lido coisa assim. O final fulminou-me.
Durante a II Guerra Mundial e para fugir aos bombardeamentos sobre Londres, quatro crianças vão viver para uma casa no campo. Uma delas, ao esconder-se num guarda-fatos, entra num outro mundo...Nárnia. As outras crianças acabarão por segui-la e viver uma aventura impar, pejada de personagens míticos, batalhas sagrentas. O final é um pouco estranho e deixou-me sempre uma certa sensação de tristeza - após o percurso de toda uma vida, os personagens voltam ao ponto de partida e pouco mais que alguns minutos tinham passado desde a sua entrada no guarda-fatos. Para conto infantil há um não sei quê de tempo vivido e perdido. O retorno à estaca zero, ao mundo real, é o corte com o de todo impossível, mas desejável - a aventura sonhada, vivida, num espaço paralelo de fantasia que queremos nosso, sem o ser.
As "Crónicas de Narnia" não se limitam a um guarda-fatos e a nossa imaginação, se quiseremos, também não.

2 Comments:

At sexta-feira, 10 março, 2006, Blogger Teresa Durães said...

Não li as Crónicas nem vi o filme. Li o(s) seu(s) post(s) e de alguma forma fui-me identificando (o fantástico na nossa meninice, as corridas pela manhã com os miúdos, as manhãs cinzentas que outrora traziam mistério e agora encombram-nos, por vezes, a alma, outras alturas, nem as vemos).

Há coisa de um ano descobri Ursula Le Guin (Ed. Presença). Maravilhei-me no fantástico dela
(ainda não desisti da fantasia mesmo sendo mãe de um adolescente de 13 e uma menina de 8).
No livro, o Feitiçeiro e a Sombra (penso que é este o nome do 1º de 4), Ursula consegue misturar o fantástico cim a reflexão. Está na colecção Estrela do Mar (penso) mas de modo algum é um livro juvenil, na minha opinião.

Mesmo em relação a Nárnia, e na retoma ao início, como acontece sempre em todos os livros do fantástico onde há uma passagem para um mundo paralelo, é na minha opinião (um pouco repetitivo dizer sempre isto mas já me acusaram por aí nos blogs que me imponho, quando tentei abreviar) que tem de ser condição, por um motivo, e passo a explicar:
- O fantástico são como os livros de cavalaria, a luta do bem contra o mal onde o bem tem de prevalecer
- Para que o bem prevaleça existem provas a ser superadas
- Quando são, o herói ganha;
No retorno à realidade, no cado do fantástico, agora com uma nova dimensão psicológica, está apto a encarar a vida. Por isso, tem de regressar ao ponto onde deixou antes de desaparecer.

(gostei muito do blog, Vou aparecer mais vezes)

 
At sexta-feira, 10 março, 2006, Blogger Maeve said...

Digamos que, muitos contos juvenis (ou talvez não), acabam por conter implicitamente uma "lição" - ao longo da vida somos postos à prova, temos de lidar com situações positivas e negativas e o nosso "crescimento" depende disso.

Obrigada pelo seu comentário. Gostei bastante. Ah...e tomei nota da Ursula Le Guin.

 

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