As matriarcas - II

Avó Ilda, 1932
Em 1932, Portugal vivia o penúltimo ano da Ditadura Militar inaugurada pelo general Gomes da Costa. Salazar era já um promissor ministro. O crash da Bolsa de Nova Iorque ocorrera em 29 e a Europa, tal como outros continentes, estava mergulhada naquela que ficou conhecida como a "Grande Depressão" do sistema capitalista. Lá pelas "Alemanhas" o Partido Nazi, liderado por Adolf Hitler, ganhava as eleições .
A minha avó, nada e criada na capital do ex-Império, rondava os 26 anos e encarava o futuro com o optismismo que uma educação privilegiada lhe concedera. Ao contrário das mulheres do seu tempo, a futura matriarca teve estudos, aprendeu música e empregou-se porque, apesar dos parcos rendimentos, o meu bisavô tinhas ideias revolucionárias para a época - nunca destinou as filhas ao casamento, mas sim à independência. Nos Correios começou como telegrafista (ponto, traço...ponto, traço...dois pontos) e, através daquele aparelhinho aparentemente insignificante, mandou muitas mensagens cujo conteúdo calou e esqueceu por serem os da ditadura. Recordo-me dela, imensa, de bata preta, a circular numa sala que me pareceu enorme, cheia de mulheres também de bata preta...coisa por volta de 1960 e muitos.
Embora destinada à tal independência de que poucas mulheres se podiam gabar naquele tempo, a minha avó casou...e descasou. O meu avô, segundo me disse, era um consolo para as vistas - um loiraço de olho azul, made in Marco de Canavezes -, mas um malandro de primeira. Apareceu-lhe, com uma carta na mão, em horário de expediente e depois disso foram 4 filhas de empreitada que só ela, a minha avó, sustentava. Depois de muitas tareias, de muitas coisas perdidas "no prego" para pagar os excessos de pinga e mulheres, mudou-se a fechadura e o meu avô foi literalmente corrido com um processo de divórcio às costas. E pronto, a Ilda nunca mais quis saber de homem nenhum! Criou as filhas, manteve a sua casa e teve o descanso de uma velhice "bem forrada" com o que foi ganhando nos Correios. Curiosamente e já numa cama de hospital onde aguardava a morte, naqueles entretantos em que a mente se confunde, exclamava: "Vai-te, malandro! Vai-te João!"
Nota: No verso da fotografia pode ler-se:" A João com muita simpatia de Ilda. Lx25/12/932"